A lanterna no túnel
A lanterna no túnel
O post de hoje não foi escrito por mim, polvinhos. Lembram do post do mês passado em que eu comentei que viria uma parceria muito legal por aí? Então!
Esse post foi todo montado pelo Pablo.
Ele tá montando um livro sobre a trajetória dele, contando como ele descobriu, sentiu e aceitou a doença que convive com ele. E resolveu nos dar um gostinho do que está por vir. Por isso, o post vai ser um pouquinho diferente do usual, não tendo as referências de sempre, já que é uma vivência pessoal do Pablo.
A leitura é fácil, bem fluída e em várias partes faz a gente se identificar com os sentimentos dele ou, pelo menos, pensar como seria conosco. Fiquei muito feliz que ele topou essa parceria, porque requer coragem pra expor e enfrentar seus problemas, mas também acho muito importante dividir com outras pessoas que possam estar passando pelo mesmo.
P.s.: Se você quiser compartilhar o que tem enfrentado é muito bem vindo.
Estou sempre buscando parcerias e novos jeitos de trazer informações pra vocês, pois acredito que o conhecimento nos move e pode facilitar no manejo das doenças. Bem como influencia na visão que as pessoas têm sobre doenças mentais, como tratá-las e no papel da psicologia. Abaixo o trechinho que o Pablo escreveu pra nós. <3
A lanterna no túnel
Por Pablo Diniz
"Convivo com os sintomas da depressão desde os meus 13 anos. Os anos de convívio com os sintomas me deixaram um tanto apático quanto à gravidade do que sinto, como se fosse normal. Em 2017, um psiquiatra finalmente me explicou que minha situação não era passageira – eu deveria aprender a conviver com meus sintomas e com a necessidade de medicação. Meu histórico com os altos e baixos da minha saúde mental é longo e talvez irrelevante para o momento. que importa é seu momento mais recente.
Rocky Balboa diz em Rocky 2 que “a vida não é sobre o quanto forte tu bate, mas o quanto tu consegue se levantar”. Após um golpe bem pesado, eu não consegui me levantar. Cambaleei por muitos meses, meses repletos de auto sabotagem, péssimas decisões e muito sofrimento para mim e as pessoas que amo. Troquei de psicóloga buscando uma nova metodologia e fui aos poucos me esforçando para levantar.
Mas não conseguia. Quando começava a me levantar, a vida fazia questão de me botar no chão de volta, como há de ser. Após 10 meses sem me levantar, não enxergava muita saída. Mas continuava tentando. Alguma coisa em mim insistia – minha psicóloga chama de “o adulto saudável” em mim. Tenho transtorno de humor e faço acompanhamento tanto psiquiátrico quanto psicológico, mas algo ainda não funcionava.
Uma parte de mim tentava, enquanto outra fazia questão de continuar no chão.
Um episódio depressivo bem grave surgiu em Setembro. Tentei uma nova medicação, mas não foi o suficiente. Tentei ajusta-la, mas não foi o suficiente. Tentei outra, e seguiu sem funcionar. Meus amigos mais íntimos começaram a notar que havia algo de muito errado, por mais que eu me esforçasse em esconder.
– Pablo, eu não vou seguir trocando tua medicação dessa forma. Tu não está seguro. O melhor seria tu ir para uma clinica psiquiátrica, onde eles vão poder ajustar a medicação e te dar apoio garantindo tua segurança. – recomendou minha psiquiatra.
Foi difícil ouvir isso. Em uma sociedade ainda tomada por preconceito com os cuidados relacionados à saúde mental, mesmo quem precisa de cuidados tem ressalvas. Admito que já havia pensando em internação antes, mas sempre enxerguei como uma ultima alternativa. Uma medida extraordinária.
No dia que recebi a recomendação, fui dormir na casa de um casal de amigos para não ficar sozinho. Acordei gritando por socorro.
Na manhã seguinte, havia uma mensagem de outra amiga, pedindo por notícias. Fazia dias que eu vinha me isolando. Foi quando notei o quanto tempo eu estava no episódio, e de o quão grave ele estava. Ponderei sobre a internação, falei com minha rede de apoio, com minha psicóloga, até com meu chefe. Relutante, resolvi aceitar.
Foi a melhor decisão que tomei nos últimos meses.
O começo foi difícil, claro. Perder a liberdade, mesmo que de forma voluntária, mexe muito contigo. A cisão com a sociedade. O isolamento. As regras. Mas eu tive apoio pra entrar.
– Aproveita esse tempo. –me disse uma amiga.
– Tu fez a escolha certa. – disse outra.
Com isso em mente, aguentei o choque inicial. Então, deitado na cama no meu primeiro dia, eu vi que tinha que mudar. Mas como? Por onde eu começava?
Todo problema complexo precisa ser dividido em partes. Solucionando as partes, o todo é resolvido. Seguindo essa lógica, dividi minha mudança em 18 questões relativamente simples. Como lidar com a frustração? Como manter o equilíbrio emocional? Como me perdoar? Montei uma rotina. Exercício físico duas vezes ao dia, meditação (um amálgama de técnicas que colecionei ao longo da vida) duas vezes ao dia, leitura no resto. Resolvi que, com as respostas destas questões, montaria uma base sólida.
Durante minhas meditações, busquei as respostas. Não inventei nada, apenas apliquei todas as orientações dos profissionais que sempre deixei de lado. Buscar pro racional. Entender o que estava sentindo. Enxergar por outro viés. Coisas simples, mas que por diversos motivos eu nunca tinha aplicado. Resolvi manter um diário.
Então... começou a funcionar. No meu terceiro dia na clínica, escrevi que queria ser parte da vida. Ao final da primeira semana, meus amigos no telefone diziam que minha voz já transparecia mudança. No nono dia, escrevi sobre como não desejava mais me matar e nem morrer. Mais do que isso, escrevi de como eu queria, pela primeira vez em muito tempo, de fato viver.
A esperança em cada dia que surgia foi se fortalecendo. A endorfina do exercício físico, a calma e o foco provenientes da meditação, as respostas que vinham graças as orientações da minha terapia – tudo ia lentamente se encaixando. Formando um caminho para alguém que se enxergou no escuro por muito tempo. Eu me dediquei e construí algo.
Faz quase 10 anos que uso um colar contendo um grão de arroz com meu nome. No meu primeiro dia na clínica, ele foi confiscado por questões de protocolo. Sem saber para onde ir, sem ter nem meu pequeno amuleto que me lembrava sempre de mim mesmo, só me restou uma opção – me levantar. Eu me dediquei e consegui, com muita ajuda. Ao final de 14 dias, me devolveram o colar, mas eu já sabia quem eu era sem precisar dele. Eu era alguém que lutou e venceu. Eu certamente terei que lutar de novo, mas agora eu sei como. Eu sei que consigo.
Decidi escrever um livro. Meu objetivo não é exatamente compartilhar minhas conclusões – elas servem pra mim, e provavelmente apenas para mim. Meu objetivo é contar para todos que graças ao apoio profissional que tive nos últimos anos e minha dedicação nos dias de reclusão, eu consolidei meios de lutar. Meu transtorno não foi magicamente curado, não tive grandes epifanias para novos modos de vida. Mas eu aceitei quem e o que sou, e aceitei que preciso aprender a conviver com isso. Eu não encontrei uma luz no fim do túnel; eu construí uma lanterna pra me guiar nele sempre que for necessário.
Meu nome é Pablo, e essa é a minha mensagem. Busquem ajuda profissional, existem pessoas com o conhecimento necessário pra te ajudar. Busquem sua rede de apoio, existem pessoas que te amam e estão contigo em qualquer situação. E principalmente, busquem a força dentro de vocês. Quando todas essas coisas se encaixam, o seu caminho fica claro. Seja gentil consigo mesmo, e você irá encontra-lo.".
Espero que vocês tenham gostado!
Vejo vocês no próximo post.